terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Imaginário do Apartamento

Capítulo 1:

Medo não condiz com liberdade; e foi assim que ela se aventurou por cinco minutos depois de um ano e meio de estafa...

Arrumou o sofá, desligou a TV, colocou Led Zeppelin como trilha sonora e sentiu um aperto no coração. Era medo de adolescente, embora já com vinte e sete anos de experiência. Há um ano e meio sem se aventurar em nada que não fosse real, resolveu que precisava voltar à metafísica da vida. Acendeu um incenso de um ano atrás, que estava guardado desde que um hippie da Rua Augusta falou com ela.

De repente algo colou feito velcro em sua cabeça, e o som dos anos 70 parecia levá-la aos anos 70 novamente. Em espiral soltou seu corpo pelo universo, sem nada, com tudo, feito física quântica. Que delícia, ria e ria. Um homem com uma guitarra parecia brincar com ela, cada toque que ele dava, ela girava junto ao som que saia de suas cordas: - Sou uma marionete? Ou sou som?

Ele ria de suas perguntas, para ele as perguntas sempre são desnecessárias.

- Para quê perguntar já que nada disso cairá nas provas do próximo semestre? Ele ria feito uma criança em um parque de diversões.

Ela parou de perguntar, mas também notou que estava dentro da sua cabeça e longe da realidade, quis voltar por um segundo e viu-se no sofá esperando pelo marido. Logo depois, quis voltar de novo para sua cabeça desmiolada, afinal era mais divertida que aquela do cotidiano.

Ao voltar, as efemeridades já haviam se alterado, não era mais só prazer, queria voltar às espirais e queria encontrar o homem que não gostava de perguntas. Mas, encontrou o Medo.

Medo só falava e não ouvia. Falava de tudo que existia, era manso e raso, frio e insípido. Não cansava de repetir as notícias trágicas do dia a dia. Ela entrou em estado de alerta e quis mudar de canal, mas não encontrou o controle remoto.

Enfim tocou o telefone. E Medo sumiu.

- Não, obrigada, eu não quero mais um cheque. Respondeu ao gerente de seu banco.

Sentou no sofá e percebeu porque era tão difícil sair da realidade naturalmente. Não dá para fluir livremente estando em estado normal. Pensou em imaginar Douglas Adams imaginando. Um homem pode sonhar?

Novamente caiu nas espirais sonoras, mas dessa vez não era os anos 70, 2010 beirando 2011, beirando 2012, beirando o contemporâneo, beirando o hoje e o amanhã.

-Tá, eu queria estar em uma cachoeira, ou em uma praia, ou em um parque de diversões diferente, meio que imaginário. Eu poderia estar trabalhando.

Caiu no reino do Você NÃO Pode. Você Não Pode era basicamente uma agenda com compromissos e despertadores. Ele contava os séculos, as décadas, os anos, os meses, as horas, os minutos e os segundos a todo segundo. Também somava e subtraia sua renda mensal diariamente. Relembrava suas contas a pagar todo dia cinco de cada mês. Organizava seu café-da-manhã, almoço e janta em seis refeições, contava as calorias do que você deveria ou não ingerir e dava um saldo de expectativa de vida e de estética que durante a vida você poderá obter.

Ela quis muito se esconder. Começou a sentir pressão baixa, sede, sono, preguiça e quase fobia. – Quero uma casa na praia.Voltou à realidade e aos quereres. Estava no sofá fazendo as contas sobre os próximos acontecimentos, será que ela vai conseguir envelhecer na praia? Vai ter que trabalhar arduamente durante sua juventude para viver jovem depois dos cinquenta. Mas, cinquenta está muito longe, não parava de pensar.

De repente algo fechou feito um zíper na sua cabeça. – Não quero pensar no futuro.

Você NÃO Pode estava tão ocupado que só agora tinha notado que ela ainda estava lá: – Ei, já pagou o aluguel?

Não quis responder. Levantou-se do sofá. Estava se entregando ao fato de que normalmente não se chega ao imaginário.

2 comentários:

Adriana Valeria Nascimento e Nascimento Batista da Silva disse...

dinheiro, contas, responsabilidades. nada melhor ou pior para nos tirar de nossas realidades.
gostei do seu background.
beijo!
te espero no meu....
http://taoinsolentequantoinsolito.blogspot.com/

Maria Nilza de Campos Lepre disse...

Voce conseguiu captar o que se passa no interior das pessoas atualmente, suas dificuldades e necessidades nodia a dia.
Parabéns.
Beijos